sábado, 31 de maio de 2025

Artigo| Crenças em Godzilla: A Mitologia Esotérica de Rei dos Monstros (19)












Em 2025, Godzilla Rei dos Monstros, terceiro filme do Monsterverse, completa seis anos. O longa ousado de Michael Dougherty é carregado de simbolismos, algo que é uma espécie de tradição para a franquia do lagartão. Neste artigo nos aprofundaremos em detalhes que ajudaram a construir o maior épico do Monsterverse.


Épico:

Já que foi mencionado, o pontapé inicial ideal pra começar esses pontos, é essa observação. O filme é um épico. A maioria dos blockbusters emulam a narrativa de obras antigas como Ilíada e Odisseia de Homero ou as Epopeias Sumérias. Mas, não é exagero dizer que Rei dos Monstros é o filme que melhor se inspirou nas fontes antigas de forma direta nos últimos 10 anos, talvez mais, do cinema.

 

A rivalidade de Godzilla e Ghidorah não é tratada como uma mera briga de monstros aleatórios ou um confronto simples entre um herói e um vilão, não, Dougherty transformou os dois monstros em deuses. No que tange esses personagens, o filme não comete um erro sequer. As duas forças, um representando a Ordem e o outro o Caos, se digladiam e usam tudo que podem um contra o outro. Muitos apontam que Godzilla não conseguiria uma vitória sem auxílio da humanidade, outros que Ghidorah só levava vantagem nos equívocos da mesma, mas a verdade é que a humanidade neste filme é só uma arma, manipulada por dois deuses que fazem de tudo para vencer um ao outro, não importando os sacrifícios, usando tudo que podem para enfim chegarem na vitória.

O filme gira ao redor dessa rivalidade. Voltaremos nela mais a frente neste artigo.

 

Titãs:













Na falta de licença para o termo japonês “Kaiju” o nome escolhido para representar os monstros gigantes no Monsterverse foi “titãs” tirado diretamente das lendas gregas, os titãs eram os deuses ctônicos ancestrais dos deuses olímpicos e depostos pelos mesmos. O significado esotérico deste mito em algumas opiniões antropológicas, é de que ele retrata a vitória da humanidade sobre a natureza.

Sendo os monstros tão associados a elementos naturais, esse nome caiu como uma luva. E os nomes próprios de alguns também são bem interessantes.

  • Abaddon: Anjo do abismo no apocalipse bíblico.
  • Scylla: Ninfa transformada em monstro marinho, marca presença no épico A Odisseia.
  • Tiamat: Deusa primordial na cultura suméria, morta por Marduk, seu corpo desmembrado foi usado para criar o mundo.
  • Quetzalcoatl: Deus serpente emplumada da cultura Mexica, responsável pelos ventos e um dos deuses primordiais da criação.
  • Behemoth: Monstro bíblico, representa a terra, morre em um combate contra Leviathan.
  • Leviathan: Representante do mar, morre em combate contra Behemoth.
  • Methuselah: O avô de Noé, morto durante o dilúvio. Aquele que viveu mais tempo em toda a história da humanidade, segundo as obras hebraicas.
  • Sekmeth: Violenta deusa egípcia enviada por Rá para punir a humanidade.
  • Baphometh: Supostamente um deus adorado pelos templários quando a igreja católica os acusou de heresia, existe uma possibilidade de ser na verdade o deus grego Pã. A imagem clássica da divindade é bem posterior, desenhada por Eliphás Levi, representando o equilíbrio em uma literatura alquimista.
  • Yamata no Orochi: Monstro do folclore japonês com quilômetros de tamanho e oito cabeças, foi uma das inspirações para o Ghidorah da era Showa.
  • Typhon: Deus inimigo dos olimpianos na cultura grega, já chegou a expulsar todos de seu lar sagrado. Temporariamente derrotado por Zeus.

A maioria desses monstros sequer deu as caras no filme ou depois, mas alguns sim, e estes tiveram certo paralelo genuíno com suas versões “originais”.


Céu e Inferno:

Mothra e Rodan aparecem pouco durante o filme, mas a presença deles tem forte simbolismo para além do fanservice. O design dos dois monstros foi cuidadosamente pensado para o papel deles na trama. Mothra é delicada e emite uma luz pura, simbolizando um anjo. Rodan é puro fogo e tem um senso de destruição grotesco, representando um demônio. Os dois monstros se aliam cada um a um dos protagonistas da guerra, Mothra se alia a Godzilla, a figura de Ordem, Deus. Enquanto que Rodan se alia ao portador do caos, ao Diabo, Ghidorah.

 

Mundo Interior, Atlântida e Deuses Astronautas:









A Terra Oca foi introduzida verbalmente no filme anterior: Kong Ilha da Caveira. RDM a coloca de vez na trama do universo, na realidade dessa franquia, a terra possui túneis que levam a um mundo abaixo do mundo, embora só tenha sido explorada de verdade nos filmes seguintes, o filme leva os personagens até parte deste mundo antigo, onde encontram um templo de adoração ao Godzilla. Uma antiga civilização no mundo abaixo remete as lendas sobre o reino de Agartha.

 Mas um templo em ruínas, abaixo d’água também remete a outra coisa, a lendária Atlântida, local que marca presença nas lendas gregas e possui paralelos interessantes nas culturas da Mesoamérica e do Egito. A grande ilha do oceano que tem seu nome, que afundou no mar após um terrível cataclismo.

Dentro deste templo, desta Atlântida, os personagens encontram um mural onde os titãs são os deuses supremos, acima de deuses alienígenas do panteão sumério, acima dos Annunakis. Com direito a doutora Chen, uma equivalente das clássicas fadas Shobijin concordar com os mitos antigos ao qual Emma Russel já tinha se mostrado a favor “Eles são mesmo os primeiros deuses.”

Na reta final desta cena, vemos uma cena de sacrifício. Ishiro Serizawa que dedicou sua vida a Godzilla como se este fosse de fato seu deus, se sacrifica explodindo uma bomba atômica na presença do monstro, se despedindo daquele que foi a razão da sua vida. A cena não só tem uma conotação religiosa pagã de sacrifício para um deus, como também um simbolismo messiânico. Serizawa morre para que aquele avatar da ordem, Godzilla, elimine o caos e por consequência, salve a humanidade.

Enquanto a bomba renova Godzilla e destrói o que sobrou da Atlântida, Podemos ver uma imagem de Pazuzu, um ente mesopotâmico responsável por proteger crianças no parto, ironicamente a entidade é muito famosa por possuir uma criança no livro e filme clássicos, O Exorcista.

 

Dragões e Deuses:












Enquanto tentam entender Ghidorah, Chen em um diálogo com Mark revela uma diferença entre as tradições ocidental e oriental no que tange essas criaturas. O filme utiliza as duas em diversos pontos diferentes.

No ocidente, dragões normalmente são antagonistas, não necessariamente vilões, mas representam um grande obstáculo que o herói deve passar. De certa forma, ainda são os guardiões de algo igual no oriente, a diferença é a ambição dos heróis em cada parte do mundo.

Em termos de aparência, Ghidorah sempre foi um misto. Ele se assemelha com os dragões europeus dado seu corpo de lagarto e asas de morcego, mas suas cabeças possuem aspectos dos dragões do oriente, ele também se parece com a hidra, que lhe empresta parte do nome e com o dragão de três cabeças que aparece recorrentemente na literatura alquímica, todas essas imagens são referenciadas antes de seu despertar na Antártida, em uma tela compartilhada pela doutora Chen, no centro, há a pintura do Dragão Vermelho de Willian Blake, este personagem da pintura, é uma representação do Diabo bíblico. Ghidorah é chamado de “O Diabo de três cabeças “ nos materiais promocionais do filme. Por fim, ao se ver livre de Godzilla, o único que lhe fazia frente, Ghidorah sobe o vulcão onde Rodan, o demônio dormia, ele grita triunfante acordando todos os titãs, a imagem poderosíssima possui uma cruz no canto, muito menor do que aquele monstro, o simbolismo dentro do filme, nos remete ao mito Grego onde os deuses derrotaram os titãs, a humanidade venceu a natureza. Agora, os deuses eram pequenos, os Titãs tinham voltado, furiosos, guiados por Tifão (paralelo com o mito, o Kaiju não deu as caras). O Cristianismo em sua busca por demonizar símbolos pagãos, adotou a figura do dragão como a figura suprema do diabo. Non Draco Sit Mihi Dux. Ghidorah é o grande Dragão do Apocalipse, A Besta.

Embora no geral, Ghidorah seja o aspecto negativo, Chen explica que dragões são redentores, e o sacrifício de Emma Russel em atrair o Tricéfalo, acaba redimindo a personagem. O feroz dragão maligno, neste sentido, serviu a mesma função que seus irmãos benignos.

E por falar nos benignos, se Ghidorah é um dragão, Godzilla é um... Dragão também, e mais do que o anterior.

Ghidorah é o dragão maligno da tradição cristã, Godzilla, a figura divina, é o dragão benigno da cultura oriental. O Ryu que traz a luz e organiza o mundo. Dougherty fez também diversos paralelos entre Godzilla e o Leviatã (do mito) Não há nada neste mundo que se compare com ele, pois foi feito para não ter medo; O Leviatã olha para tudo com desprezo e entre todas as feras orgulhosas ele é rei.” 

O simbolismo do Dragão na franquia é muito rico , e em breve farei um post apenas sobre isso. Por hora, vamos concluir com o mito que influencia fortemente a rivalidade desses dois no filme. O mito indo-europeu do deus dos Raios, contra o dragão. Thor enfrenta Jormungandr, Indra luta com Vritra, Perun contra Veles, Baal e Yahweh com o Leviatã. Diferentes povos retrataram uma batalha similar, com diferentes contextos tribais. Dougherty não quebra a tradição. O mito é o mesmo, mas ele é próprio. Godzilla seria o Deus e Ghidorah o Dragão, no quesito de ordem e caos, mas aqui, Godzilla, assim como Ghidorah é um dragão e, quem demonstra ter domínio sobre raios no filme é o próprio Ghidorah. Então, nessa reconstrução do mito, ambos são o deus e ambos são o dragão.


Tarot:

















Para encerrar o artigo, algo que pode não ter sido intencional na trama do filme, mas que um tweet de Dougherty fez um interessante paralelo. Ao ser perguntado por um fã sobre que cartas de Tarot representaram cada monstro clássico que aparece no filme, Dougherty respondeu certeiramente que Godzilla seria o Imperador, Mothra a Sacerdotisa, Ghidorah o Diabo e Rodan o Tolo. Para entender o porquê de ser tão certeiro a comparação de Dougherty, vamos a explicação detalhada:


Carta 0 – O Tolo (Rodan)

  O Tolo (Ou Louco) é o protagonista do Tarot. Ele percorre todas as cartas, do Mágico ao Mundo. Em uma jornada de desenvolvimento pessoal. O Tolo começa fazendo jus ao seu nome e termina como um sábio ao alcançar o Mundo.


Carta II – A Sacerdotisa (Mothra)

 Em contraste com o Mágico (I) que representa a Consciência, a Sacerdotisa representa o inconsciente e a importância dos mistérios na jornada.

 

Carta IV – O Imperador (Godzilla)

 A carta masculina (solar) representa a ordem, o poder. É a figura paterna do Tolo, que o ensina a importância das regras.

 

Carta XV – O Diabo (Ghidorah)

 Exagero, fanatismo, tentação. O Diabo é um ponto distante da jornada, próximo ao fim. Precisa ser vencido pelo Tolo para que este se veja livre da Tentação.

 

A relação dos personagens com as cartas se torna interessantíssima pois dá um melhor aprofundamento a Rodan. Um personagem curioso dentro da trama. Ele não é o protagonista aqui, este papel é de Godzilla. Ainda assim, o rei dos céus possui seu paralelo com o protagonista do Tarot. Rodan desperta inocente em um mundo desconhecido. De cara, ele enfrenta o Diabo, que normalmente só é enfrentado próximo ao fim da jornada pessoal, sem qualquer conhecimento, ele perde. Em sequência, Godzilla é tirado da trama pela humanidade, então, sem a figura da Ordem, o Diabo, a tentação comanda o mundo, inclusive Rodan, o Tolo.

No final da trama, o Tolo enfrenta a Sacerdotisa e embora deixe ela à beira da morte, é derrotado novamente por ser ignorante, enfatizando a importância do conhecimento tanto material (I- O Mágico) quanto misterioso (II – Sacerdotisa) afinal, sua derrota vêm de uma surpresa. Após acordar ferido e mais experiente, O Tolo enfrenta o Imperador, que trouxe a ordem de volta destruindo o Diabo. O Imperador faz seu trabalho, ele não destrói o Tolo por seu erro, ele oferece a chance de acatar a Ordem e o Tolo, mais experiente, obedece.

Pois é, talvez Rodan não cometa tantos erros no filme atoa ou porque representa um demônio, mas sim porque ele é o Tolo em uma jornada de aprendizado. Com isto, este artigo acaba, até a próxima!



~GhostGoji


3 comentários:

  1. Tem como legendar o filme Ultraman Arc The Movie: The Clash of Light and Evil?

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  2. Parabéns pela análise do filme, realmente faz muito sentido aqui, a mitologia do filme é excelente, pra mim esse é o melhor filme do monsterverse

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  3. Tem como postar a Enciclopédia do Godzilla que lançou em 2023 ou 2024?

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